setembro 13, 2024

O caipira de Antonio Candido e o meio natural de Milton Santos
O caipira de Antonio Candido e o meio natural de Milton Santos

Os parceiros do Rio Bonito, de Antonio Candido, é uma obra fundamental para a compreensão das transformações sociais e econômicas no meio rural brasileiro, especialmente em São Paulo. O livro destaca a transição de uma economia rural tradicional, a do caipira, com base na agricultura de subsistência, para um modelo agrícola capitalista, caracterizado pela modernização e mercantilização do campo.

Ao destacar as características que Antonio Candido aponta como tradicionais na vida do caipira - veja nas tabelas abaixo -, é possível refletir se há um paralelo entre esse modo de vida descrito por Candido, ou melhor dizendo, seu espaço, e o que Milton Santos, geógrafo brasileiro, denominou de meio natural.

Embora para alguns possa ser controverso classificar o espaço do caipira como mais próximo do meio natural do que do meio técnico, leia um fragmento que retiramos da obra A natureza do espaço, de Milton Santos, sobre o meio natural, que acreditamos servir para contextualizar o que retrata a obra citada de Antonio Candido.

Localização
Região Paulistânia. Segundo a Wikipedia,

"Paulistânia é a denominação geográfica do povo caipira, sendo uma região histórico-cultural. É composta pelos estados de São Paulo, partes do Paraná, por partes do Triângulo Mineiro, pelo sul de Minas Gerais e de Goiás, pelos estados de Mato Grosso do Sul e partes de Mato Grosso, campo de influências e de exploração dos bandeirantes e área de acomodação da cultura caipira."

Vida material
Casa Chamada de rancho (pouso), é um abrigo de palha, sobre paredes de paua-pique ou varas não barreadas levemente pousado no solo. O chão não é pavimentado nem assoalhado.
Corpo Fios de algodão que transformavam em pano para confecção de roupas. Trançavam-se chapéus de junco, que duravam 2 anos. Andavam geralmente descalços e o único calçado era a precata (alpargata), feita igualmente em casa.
Utensílios domésticos Eram na maioria feitos em casa: gamela (vasilha) de raiz de figueira, prato de prorungaetê, cuia de beber, pote de barro, colher de pau.

Labor
Tempo O ano começa em agosto preparando a terra para o plantio, planta-se em outubro e colhe-se em maio. O ano termina em julho, com as últimas operações de colheita. O dia é alternativa de esforço e repouso. A semana é o período de revolução da lua, que indica a suspensão da faina por 24 horas. O mês nada significa e o ano é a evolução das sementes e das plantas.
Plantação e criação O feijão, o milho e a mandioca, plantas indígenas, constituem o seu triângulo básico alimentar. O algodão transformava-se em pano para confecção de roupas. A galinha já fazia parte de sua dieta. O leite, o trigo, a carne de vaca eram indicadores de situação social acima da média. Mandioca vem a ser substituída mais tarde pelo arroz.
Ferramentas de trabalho Monjolos d´água, prensas e pilões de pé.

Sociedade
Medicina Sabia produzir remédios como: sedativo, antiofídico, purgativo, para cólica, ferida, hemorragia e asma.
Solidariedade Organizava mutirões para construção de suas casas.
Convívio social Vivia em uma economia fechada, isolado, com convívio social apenas com as pessoas de seus “bairros”.
Economia O dinheiro não tinha importância.

Segundo Milton Santos:

Quando tudo era meio natural, o homem escolhia da natureza aquelas suas partes ou aspectos considerados fundamentais ao exercício da vida, valorizando, diferentemente, segundo os lugares e as culturas, essas condições naturais que constituíam a base material da existência do grupo.

Esse meio natural generalizado era utilizado pelo homem sem grandes transformações. As técnicas e o trabalho se casavam com as dádivas da natureza, com a qual se relacionavam sem outra mediação.

O que alguns consideram como período pré-técnico exclui uma definição restritiva. As transformações impostas às coisas naturais já eram técnicas, ente as quais a domesticação de plantas e animais aparece como um momento marcante: o homem mudando a Natureza, impondo-lhe leis. A isso também se chama técnica.

Nesse período, os sistemas técnicos não tinham existência autónoma. Sua simbiose com a natureza resultante era total (...) e podemos dizer, talvez, que o possibilismo da criação mergulhava no determinismo do funcionamento. As motivações de uso eram, sobretudo, locais, ainda que o papel do intercâmbio nas determinações sociais pudessem ser crescentes. Assim, a sociedade local era, ao mesmo tempo, criadora das técnicas utilizadas, comandante dos tempos sociais e dos limites de sua utilização. A harmonia socioespacial assim estabelecida era, desse modo, respeitosa da natureza herdada, no processo de criação de uma nova natureza. Produzindo-a, a sociedade territorial produzia, também, uma série de comportamentos, cuja razão é a preservação e a continuidade do meio de vida. Exemplo disso são, entre outros, o pousio, a rotação de terras, a agricultura itinerante, que constituem, ao mesmo tempo, regras sociais e regras territoriais, tendentes a conciliar o uso e a "conservação" da natureza: para que ela possa ser outra vez, utilizada. Esses sistemas técnicos sem objetos técnicos não eram, pois, agressivos, pelo fato de serem indissolúveis em relação à Natureza que, em sua operação, ajudavam a reconstituir. (Santos, 2006, p. 157-158).

Fontes:
- Antonio Candido. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o Caipira Paulista e a transformação dos seus meios de vida. 2010.
- Milton Santos. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 2006.
- Wikipedia. Paulistânia. 2024.
- Youtube (Thiago Sogayar Bechara). "Os caipiras", por Antonio Candido (TV Cultura e Arte). 2012.

Últimas modificações03/03/2025

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