Na zona rural dos municípios de Campos dos Goytacazes e Quissamã, ambos no estado do Rio de Janeiro, localiza-se a Lagoa Feia, que está totalmente inserida na Ecorregião de São Tomé. Embora não seja a única lagoa com esse nome no Brasil ou no estado, a que mencionamos se destaca por ser a maior lagoa de água doce do país. É importante ressaltar que, embora a Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, seja frequentemente considerada a maior, na realidade, trata-se de uma laguna.
Ao longo dos anos, a Lagoa Feia sofreu um intenso processo de intervenção, resultando em uma grande redução de sua área.
Em 1968, baseado nos mapas do IBGE (folhas Campos, Lagoa Feia, Farol de São Tomé e Muçurepe), a lagoa Feia possuía 212 km² (ver abaixo).
Na década de 1970, os pescadores artesanais de Ponta Grossa dos Fidalgos, a principal comunidade pesqueira da lagoa, enfrentaram o próprio Estado, numa tentativa (bem-sucedida) de impedir o dessecamento da lagoa.
Contudo, embora a obra mais emblemática tenha sido impedida de ser feita, o fato é que a lagoa teve sua área reduzida através da construção de diques clandestinos por fazendeiros.
Em 2004, em cálculos feitos a partir de imagens de satélite do Google Earth, a lagoa possuía 174 km² (ver abaixo). Ou seja, entre 1968 e 2004, num intervalor de 36 anos, a lagoa foi reduzida a 82% de seu espaço pretérito.
Em 2008, após enchentes históricas em Campos dos Goytacazes (RJ), esses diques foram implodidos por ordem judicial, uma vez que retardavam o escoamento das águas das áreas inundadas. Como resultado, parte de sua área pretérita foi recuperada.
No entanto, imagens de satélite mais recentes revelam que muitas delas foram "reconquistadas" por fazendeiros, que as transformaram novamente em terras agricultáveis. Nas áreas da lagoa que não foram reinvadidas pelos fazendeiros, é possível observar restos de diques. Além disso, muitas áreas recuperadas se transformaram em brejos, que mantêm comunicações com a lagoa.
Em 2021, a área da lagoa era de 192 km² (ver abaixo). Note que o setor leste da lagoa recuperou um grande espaço, que ainda não foi atualizado no OpenStreetMap (em 01/10/2024).
Adicionalmente, é importante destacar que a própria configuração da lagoa intensifica os impactos das agressões ambientais que ela sofre. Como lagoa de planície, situada na Baixada Campista, a Lagoa Feia apresenta baixa profundidade, com uma média de apenas 1 metro, chegando a 2 metros em alguns pontos. Essa característica faz com que ela enfrente problemas relacionados à sedimentação.
A baixa profundidade da lagoa já trouxe consequências recentes: a crise enfrentada pela cidade de Quissamã (RJ), que utiliza a lagoa para o abastecimento de água. Durante a estiagem de 2022, o abastecimento foi prejudicado pela presença de geosmina, uma substância que altera o sabor e o odor da água. Segundo Ramos et al. (2023):
Na Lagoa Feia, situada na região norte do estado do Rio de Janeiro, temos um ambiente extremamente propício para este tipo de fenômeno [florações de cianobactérias], pois tem-se um aporte contínuo de nutrientes pelos rios Macabu e Ururaí, a alta incidência de luz em quase todos os dias do ano, temperaturas média da massa de água em torno de 20 a 25ºC, um pH entre 6 a 7,2, pouca profundidade da lagoa possibilitando a penetração da luz em toda a massa d´água, e elevado tempo de retenção. (Ramos, 2023, p. 2).
Mesmo desconsiderando as incertezas trazidas pelas mudanças climáticas, cujos impactos sobre a lagoa ainda são desconhecidos, o cenário para a Lagoa Feia é preocupante. Ações de preservação poderiam contribuir para sua restauração, mas muitas intervenções humanas têm acelerado seu desaparecimento.
Fontes:- Carlos Abrãao Moura Valpassos. Quando a lagoa vira pasto. 2006.
- Reginaldo Ramos e outros. Estudo de caso da crise de geosmina na Lagoa Feia durante a estiagem de 2022. 2023.
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