outubro 15, 2024

Uma carta náutica para a Lagoa Feia
Uma carta náutica para a Lagoa Feia

Através de pesquisas no site do Centro de Hidrografia da Marinha (clique aqui), é possível perceber que a criação de cartas náuticas sobre nossas lagoas ainda é escassa. A existência de cartas somente da Lagoa dos Patos (no Rio Grande do Sul) e do Lago de Brasília (no Distrito Federal) exemplifica o vazio de informações vigente.

Contudo, mais do que apenas não ajudar na realização de atividades econômicas, a ausência de cartas dessas lagoas gera um desafio ambiental, já que uma série de registros históricos poderia atestar seu processo de assoreamento.

Para exemplificar esse dinâmica, podemos citar uma fala do geógrafo Elmo da Silva Amador, que afirmou, em 2005, que um terço da Baía de Guanabara desaparecerá em menos de 100 anos. A constante representação dessa baía em cartas náuticas pode mostrar (desenhando!) seu intenso processo de assoreamento. O mesmo não podemos dizer, por exemplo, sobre a lagoa Feia, localizada em Campos dos Goytacazes (RJ) e Quissamã (RJ).

Apesar de abaixo apresentarmos a representação de sua batimetria de março de 2002, seria altamente recomendável que essa carta fosse atualizada e disponibilizada de maneira mais legível, já que a comparação dessas imagens demonstrariam para todos o processo de transformação da lagoa. Levando em consideração sua baixa profunidade, de cerca de 1 metro, trata-se de uma urgência ainda mais crítica.

Carta Náutica da Lagoa Feia
2002
Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro

Uma solução menos ultramoderna para esse problema seria registrar como os pescadores de Ponta Grossa dos Fidalgos, principal comunidade pesqueira da lagoa Feia, representam o fundo dela.

Arno Vogel e José Colaço Dias Neto, por exemplo, baseado no estudo de Luiz de Castro Farias, destacam que antigamente a navegação na lagoa exigia mais o uso de varas. E eram elas que proporcionavam aos pescadores um conhecimento detalhado do fundo da lagoa.

Este contato freqüente com o terreno do fundo da lagoa fez com que os pescadores se tornassem exímios conhecedores de seu solo e, como atualmente identificamos, capazes de reconhecer o que chamam de tipos de chão. São eles: o Duro (ou durinho), o Alto de Pedra (ou chão de pedreira) e a Lama. Quando os pescadores dizem Duro estão se referindo a um terreno arenoso, o que também pode ser compreendido como uma coroa de areia, ou terreno composto por barro. Já o outro tipo, o chão de Lama, o próprio nome define sua constituição. Esses são os tipos de chão - passíveis de serem encontrados em praticamente toda a extensão da lagoa. Os pecadores também percebem, em muitos casos, que existe uma combinação de tipos: quando o chão Duro, de areia ou barro, aparece com uma cobertura de lama. Esta camada de lama pode variar de espessura de um local para outro. Ou quando, por exemplo, o chão de pedra aparece acompanhado de um terreno arenoso. (Vogel e Neto, p. 4).

Segundo os referidos autores, até hoje a navegação na lagoa Feia é realizada com base no conhecimento do chão da lagoa.

Tocando o fundo da lagoa com o remo ou vara, o pescador experiente consegue identificar exatamente o ponto em que ele está localizado. Desta forma, ele pode navegar em toda a extensão apenas tendo como referencial o chão da lagoa. Em outras palavras, este conhecimento faz com que o pescador desenvolva suas próprias noções de distância em relação a qualquer ponto da paisagem lacustre, além do conhecimento apurado dos locais por onde deseja navegar ou pescar. (Vogel e Neto, p. 7).

Embora os autores mencionem que os "locais da lagoa" identificados pelos pescadores possam apresentar características como tipo de fundo, vegetação, profundidade e espécies de peixes, ainda não temos essas características em um mapa georreferenciado. O que até agora foi possível representar está disponibilizado em um outro artigo dos autores citados clicando aqui. Isso então reforça a necessidade de uma carta náutica atualizada e disponibilizada eletronicamente da lagoa Feia.

Fonte:
- Arno Vogel e José Colaço Dias Neto. Representação Espacial e Etnotaxonomia na Lagoa Feia: Perspectivas de Espaço e Lugar em uma Comunidade Pesqueira.
- José Colaço Dias Neto e Arno Vogel. O Duro, a Pedra e a Lama: A etnotaxonomia e o artesanato da pesca em Ponta Grossa dos Fidalgos. 2005.
- O Eco. O Éden perdido – com Elmo Amador. 2005.
- Roberto Moraes. Carta Náutica da Lagoa Feia. 2008.

Últimas modificações15/10/2024

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