O estudo geográfico dos conceitos de paisagem e espaço natural envolve questões complexas.
Atualmente, o conceito de paisagem é elaborado como uma dimensão visual relacionada diretamente ao campo da percepção humana, sendo frequentemente tratado como uma representação do mundo ou da Terra:
Paisagem é uma categoria de análise da Geografia que nos auxilia no estudo e compreensão do espaço a partir de um recorte específico. Ela é definida como tudo aquilo que nós podemos identificar e interpretar por meio dos nossos sentidos (visão, audição, olfato, tato e paladar) em um determinado lugar. As paisagens são alteradas de tempos e tempos, e nelas podem coexistir elementos materiais de diferentes épocas. (Guitarrara, 2024).
Apesar de essa abordagem teórica considerar a paisagem como uma construção dependente do observador, na prática, a Geografia adota uma postura diferente. Isso significa que a paisagem é frequentemente tratada como um objeto físico que existe independentemente da percepção humana:
Alguns autores, como é o caso de ROUGERIE E BEROUTCHACHVILI (1991:359), afirmam mesmo que a teoria dos sistemas matou a paisagem ao retirar-lhe tudo o que não é material e defendendo que os processos que permitem falar de paisagem passam pela subjetividade. (Salgueiro, 2001, p. 50).
Essa discrepância entre a visão teórica e a prática cria uma dualidade: enquanto, teoricamente, a paisagem é interpretada como uma construção subjetiva, na prática, ela é analisada como um dado objetivo e concreto.
Em relação ao conceito de espaço natural, a Geografia enfrenta uma contradição semelhante. O espaço, na Geografia, é usualmente concebido pela interação humana, onde a presença e as atividades humanas desempenham um papel central na sua definição e transformação:
Durante a guerra fria, os laboratórios do Pentágono chegaram a cogitar da produção de um engenho, a bomba de nêutrons, capaz de aniquilar a vida humana em uma dada área, mas preservando todas as construções. O Presidente Kennedy afinal renunciou a levar a cabo esse projeto. Senão, o que na véspera seria ainda o espaço, após a temida explosão seria apenas paisagem. Não temos melhor imagem para mostrar a diferença entre esses dois conceitos. (Santos, 2000, p. 68-69).
No entanto, o espaço natural, que é uma variação do espaço ao qual se referiu Milton Santos — e que deveria contar com a presença humana, sob o risco de se tornar uma paisagem caso não a tivesse — é definido pela ausência ou pela baixa interferência humana:
A localidade onde você mora ocupa determinado espaço da superfície terrestre. Há milhares de anos, porém, esse espaço não era habitado por seres humanos; havia apenas a natureza original, formada por solo, rochas, vegetação, fauna, rios, clima, entre outros elementos. Havia ali um espaço natural. (Adas e Adas, 2018, p. 14).
Isso gera um paradoxo: como podemos conceber uma forma de espaço (o natural) sem considerar a presença do ser humano, se, por definição, o espaço exige a presença humana? O melhor não seria falar (na obra de Adas e Adas) que "Havia ali uma paisagem natural"? Dessa maneira, o espaço natural seria um espaço sustentável, que concilia a paisagem natural (em nossos tempos, com predominância de elementos naturais) com a presença humana. Algo parecido com a definição de "Espaços da natureza" que o IBGE está tentando introduzir para superar a dicotomia do espaço rural/urbano.
espaços da natureza Áreas onde prevalecem os processos naturais que dão forma à paisagem. Quando há ação humana, essa ocorre de modo disperso, conforme os significados atribuídos pelos atores envolvidos, garantindo relativa estabilidade dos fatores bióticos e abióticos de seus ecossistemas. (IBGE, 2023, p. 169).
Portanto, o conceito de paisagem na Geografia é permeado por uma dualidade entre teoria e prática. Teoricamente, a paisagem é tratada como representação e construção do observador, mas, na prática, é abordada como um objeto concreto e independente da percepção humana. Já no que se refere ao espaço natural, há uma contradição com o conceito de espaço em si, uma vez que a Geografia o define pela ação humana, mas, no caso do "natural", o delimita como o espaço que se sustenta pela ausência significativa dessas ações (ou da presença humana).
Fontes:- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Proposta metodológica para classificação dos Espaços do Rural, do Urbano e da Natureza no Brasil. 2023.
- Melhem Adas e Sergio Adas. Expedições Geográficas. 6º ano. 2018.
- Milton Santos. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 2006.
- Paloma Guitarrara. Paisagem: o que é, tipos, exemplos, exercícios. 2024.
- Teresa Barata Salgueiro. Paisagem e geografia. 2001.
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