dezembro 15, 2024

As Forças Armadas devem atuar como uma agência de emprego?
As Forças Armadas devem atuar como uma agência de emprego?

É cada vez mais evidente que as Forças Armadas brasileiras têm ampliado suas atividades para além das funções militares tradicionais, atuando como uma espécie de agência de emprego para os integrantes das forças armadas. Esses processos incluem a recontratação de militares da reserva, a criação de estatais, a expansão de postos de comando para oficiais aviadores, o número de oficiais-generais além do necessário e a presença de militares em empresas privadas. Vejamos cada uma delas.

Por exemplo, em 2024, as Forças Armadas contrataram 12.681 militares inativos para funções administrativas e de assessoria. Esse movimento representou um gasto anual de aproximadamente R$ 800 milhões e resultou em um aumento de 30% nos salários desses militares. Considerando que muitos militares se aposentam cedo – na Força Aérea Brasileira (FAB), por exemplo, a idade média de aposentadoria é de 48 anos –, não seria mais razoável estabelecer uma idade mínima para a aposentadoria, evitando a recontratação generalizada desses profissionais?

As Forças Armadas contratam 12.681 militares inativos para funções administrativas e de assessoria, com aumento salarial de 30% e gasto anual próximo de R$ 800 milhões.

O número representa 7% do total de militares da reserva ou reformados (169.793) e é puxado por oficiais — a contratação prioriza capitães e coronéis a sargentos e praças.

(...)

Os militares contratados como PTTC recebem um adicional de 30% do salário e executam funções militares, com foco nas áreas de ensino, saúde e assessoramento. Os contratos têm duração de até 24 meses e podem ser prorrogados até o limite de dez anos. (Folha de São Paulo, 2024).

Os militares da Aeronáutica ingressam na aposentadoria cerca de 10 anos mais cedo do que os demais servidores públicos. A média de idade no início da reserva é de 48,5 anos. Doze porcento desses militares foram para a inatividade até os 45 anos. Menos de 1% deles se aposentou com 60 anos ou mais. (Gazeta do Povo, 2019).

Um exemplo de desvio da função principal das forças armadas é a criação de estatais. Em 2024, a FAB está prestes a criar uma nova estatal, a Alada, embora já tenha uma, a NAV Brasil. O Exército, por sua vez, caminha também para ter mais uma empresa, embora também já tenha a Imbel. No entanto, é sabido que as estatais permitem que militares acumulem os salários da reserva e os recebidos pela empresa, resultando em remunerações brutas que variam de R$ 43 mil a R$ 260 mil. Isso levanta dúvidas sobre a real necessidade de criação dessas estatais.

O Exército iniciou os estudos para criação de uma empresa estatal para tocar projetos estratégicos e aliviar os cofres da instituição.

Pela proposta, a qual a CNN teve acesso, o objetivo principal desse novo braço da administração pública é “obter novas fontes de recursos, que possam ser utilizadas sem que sejam comprometidos os limites orçamentários estabelecidos pela Lei Orçamentária da União (LOA)”.

Na prática, isso significa que o governo poderá fazer aportes para financiamentos de projetos, sem que corram o risco de serem abocanhados por outras despesas. (CNN Brasil, 2024).

No governo de Jair Bolsonaro (sem partido), oficiais das três Forças ganharam cargos estratégicos e benefícios na administração pública federal, o que se estendeu às estatais, com salários altos e controle de orçamentos bilionários.

De 46 estatais com controle direto da União, 16 (34,8%) são presididas por oficiais de Exército, Marinha e Aeronáutica. A grande maioria deles está na reserva, e uma pequena parte está aposentada (reformada).

Um levantamento feito pela Folha revela que em 15 das 16 estatais há acúmulos de remunerações. O oficial recebe tanto o valor equivalente ao exercício militar quanto a remuneração paga pela estatal.

Esses militares, assim, estão recebendo remunerações brutas que variam de R$ 43 mil a R$ 260 mil. Todos esses valores excedem o teto do funcionalismo público federal, de R$ 39,3 mil, que é o salário de um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal). (Folha de São Paulo, 2021).

Além disso, a FAB, que tem como funções primárias a defesa aérea e o controle do espaço aéreo, gerencia 57 torres de controle, incluindo as de aeroportos civis. Embora a justificativa para essa atuação seja a segurança do tráfego aéreo, a gestão de torres civis pela FAB suscita o questionamento: até que ponto essa presença é indispensável? Não seria mais eficiente delegar essa operação em específico (torre de controle) a órgãos civis especializados? Um outro exemplo relevante ocorreu em 2024, quando a FAB deslocou um tenente-coronel aviador para comandar a torre de controle durante o festival de Parintins. Isso gera dúvidas sobre a necessidade de designar um oficial altamente especializado (aviador) para tal missão. Ao mesmo tempo em que essas duas iniciativas aumentam o número de postos de trabalho na FAB, além do aumento do número de postos de trabalho para oficiais aviadores, seu custeio pode onerar demasiadamente o orçamento das forças armadas.

Responsável por coordenar as operações em solo e nos arredores dos aeródromos, a Torre de Controle de Aeródromo (também chamada de TWR – do inglês Tower) desempenha um papel fundamental na segurança, coordenação e eficiência das operações aéreas. Ao todo, no Brasil, 57 aeroportos possuem Torres de Controle operadas pela Força Aérea Brasileira (FAB), por meio do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA). Eles estão entre os mais movimentados do País, como os aeroportos de Congonhas, em São Paulo; do Galeão/Tom Jobim, no Rio de Janeiro; e de Brasília/Juscelino Kubitschek, na Capital Federal. (Força Aérea Brasileira, 2024).

A Força Aérea Brasileira (FAB), por meio do Quarto Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA IV), realizará entre os dias 21/06 e 02/07 a Operação Parintins, que visa garantir a proteção e controle do espaço aéreo do município para que turistas e moradores possam viajar em segurança durante o 57º Festival Folclórico de Parintins.

A missão, coordenada pelo Tenente-Coronel Aviador Luiz Mario de Arruda Victorio Junior e Tenente-Coronel Especialista em Controle de Tráfego Aéreo Edilson Santanna, contará com 12 militares técnicos das especialidades elétrica e eletrônica e 14 controladores de tráfego aéreo que vão trabalhar em escala ininterrupta com turnos de 12 horas, cujo objetivo é prestar serviço contínuo às empresas aéreas e aeronavegantes que vão operar no Festival. Além disso, 35 militares estarão envolvidos na gestão, administração e logística. (Força Aérea Brasileira, 2024).

E isso não é tudo. Segundo dados recentes da Gazeta do Povo (16 de novembro de 2023), as Forças Armadas possuem 360 oficiais-generais na ativa e impressionantes 5.054 aposentados, incluindo 130 marechais — uma patente que não é utilizada em tempos de paz. O descompasso entre a quantidade de oficiais de alta patente e as necessidades operacionais das Forças Armadas brasileiras não é um problema novo. Em 2004, uma reportagem do O Globo (29 de agosto) já apontava que o Exército Brasileiro possuía uma das maiores proporções de generais em relação à tropa no mundo. Na época, essa relação superava a dos Estados Unidos, do Reino Unido e de Israel — nações com forças armadas frequentemente empregadas em conflitos de grande escala. Essa abundância de generais parece mais voltada a maximizar o número de militares que irão ascender socialmente do que à eficiência operacional. Ou seja, estaria a criação de cargos para generais obedecendo a lógica de uma agência de empregos, sempre preocupada em gerar um número alto de vagas?

O acúmulo de generais na inatividade ocorre principalmente porque até 2001 os militares iam para a reserva um posto acima. Assim, os oficiais superiores no cargo mais elevado (coronéis, por exemplo) passavam a ocupar o posto de generais. Atualmente, há 2,5 mil generais de brigada aposentados, além de 1,2 mil brigadeiros (da Aeronáutica).

A regra do posto acima na transferência para inatividade deixou de existir em 29 de dezembro de 2000. Mas não para todos. Segundo nota do Comando do Exército ao blog, os direitos adquiridos foram preservados pelo art. 34 da Medida Provisória 2215 mesmo para militares que foram para inatividade posteriormente à publicação desta MP.

Em consequência, os generais-de-exército que contavam com mais de 30 anos de serviço em dezembro de 2000 tiveram garantido o direito de proventos na inatividade com um posto acima. Essa MP reestruturou a remuneração dos militares. (Gazeta do Povo, 2023).

A proporção no Brasil é de um general para cada grupo de 1.258 militares. O Exército dos Estados Unidos, por exemplo, tem 352 generais. O número é superior ao da força brasileira, mas a tropa americana, em contrapartida, é duas vezes e meia maior: são mais de 500 mil homens e mulheres na ativa. Na média, um general dos EUA representa 1.420 militares de patentes mais baixas, desde soldados até coronéis.

Ou seja, proporcionalmente, o Brasil tem mais generais do que os Estados Unidos, a principal potência bélica do mundo. O Exército britânico, que tem combatido nos principais conflitos mundiais como aliado das forças americanas, é outro que o Brasil supera no número de generais em relação à tropa. Para uma força terrestre de 103.700 homens, são 61 oficiais-generais. Na média, um general britânico comanda 1.700 militares.

Israel tem só 21 generais

Em Israel, mais um exemplo. Apesar da prontidão permanente por causa dos constantes confrontos com os palestinos, o Exército israelense tem apenas 21 generais para uma tropa do mesmo tamanho da brasileira – 190 mil militares. São 9.047 homens por general. (O Globo, 2004).

Uma outra forma incomum de atuação das forças armadas é pela inserção de militares em empresas privadas. Em 2015, foi noticiado que a Odebrecht criou uma subsidiária, a Odebrecht Defesa, empregando diversos almirantes e oficiais da reserva da Marinha. Trata-se de uma contratação voltada para atender a um projeto da própria Marinha do Brasil. Essa prática permitiu que militares da reserva aumentassem seus rendimentos. Contudo, a presença de oficiais em empresas privadas que estão atendendo a projetos das Forças Armadas revela, indiretamente, que as próprias forças estão se envolvendo cada vez mais em atividades econômicas.

A Odebrecht acabou criando uma subsidiária, a Odebrecht Defesa, que abriga em seus quadros diversos almirantes e oficiais da Marinha da reserva e reformados. Uma “5ª estrela” no linguajar coloquial da Marinha, comparável a postos no exterior onde os oficiais podem guardar dinheiro para a aposentadoria. (O Globo, 2015).

Portanto, é evidente que as Forças Armadas brasileiras têm ampliado suas funções de maneiras que não estão diretamente relacionadas à defesa nacional, mas sim à geração de empregos e à ampliação de rendimentos para seus integrantes, da ativa e da reserva. Quando as instituições começam a desviar-se de sua função de defesa para atuar como uma agência de emprego, surgem dúvidas sobre a legitimidade dessas iniciativas. Embora seja importante garantir o bem-estar dos militares, é urgente um debate mais aprofundado sobre as consequências dessas ações.

Fonte:
- CNN Brasil. Exército estuda criar estatal para aumentar investimentos em Defesa. 2024.
- Folha de São Paulo. Militares que comandam estatais acumulam salários e ganham entre R$ 43 mil e R$ 260 mil. 2021.
- Folha de São Paulo. Forças Armadas contratam 12 mil militares aposentados por R$ 800 mi. 2024.
- Força Aérea Brasileira. Entre pousos e decolagens: a segurança nas Torres de Controle do Brasil. 2024.
- Força Aérea Brasileira. FAB intensificará o controle do espaço aéreo na Operação Parintins. 2024.
- Gazeta do Povo. Carreira dos sonhos: militares se aposentam com 48 anos de idade na Aeronáutica. 2019.
- Gazeta do Povo. Muito? Forças Armadas têm 360 generais na ativa e 5 mil na reserva – com 130 marechais. 2023.
- O Globo. A 5ª estrela. 2015.
- O Globo. Na proporção, país tem mais generais que EUA. 2004.

Últimas modificações22/12/2024

Nenhum comentário:

Postar um comentário