As embarcações utilizadas na pesca na Lagoa Feia pelos pescadores de Ponta Grossa dos Fidalgos passaram por transformações ao longo do tempo, sendo a canoa monóxila a principal embarcação até a década de 1970. No entanto, há lacunas históricas quanto à sua origem e evolução. Não se sabe ao certo se essa canoa era uma herança dos indígenas Goytacazes, que habitavam a região, embora existam registros de que esses povos dominavam a construção de embarcações. Além disso, as modificações ocorridas na canoa monóxila de Ponta Grossa dos Fidalgos desde 1767, quando a comunidade apareceu pela primeira vez em um mapa, até 1970, não são totalmente rastreáveis.
Mesmo diante dessas incertezas, é certo que a canoa monóxila utilizada na comunidade era construída com o uso de instrumentos de metal, tecnologia introduzida pelos colonizadores portugueses.
Para Barbara Purdy, as ferramentas de metal foram a principal modificação introduzida pelo colonizador europeu no processo de produção da canoa monóxila: “Enquanto as ferramentas para o trabalho em madeira mudaram com a chegada dos europeus e de suas ferramentas de ferro, os métodos de construção das canoas monóxilas permaneceram basicamente o mesmo ainda no período histórico” (PURDY, 1991 apud HARTMANN, 1996; p. 29). (Souza e Júnior, 2016, p. 66).
Fotografias da canoa monóxila em uso em 1940, extraídas do trabalho de Luiz de Castro Faria, nos fornecem informações importantes sobre elas. Diferentemente das canoas pré-cabralinas, que não apresentavam diferenciação entre a popa e a proa, a canoa monóxila de Ponta Grossa dos Fidalgos, na década de 1940, apresentava essa distinção. Outra modificação visível é a presença de um banco a meio-nau, elemento ausente nas canoas pré-cabralinas. Além disso, tanto a proa quanto a popa eram mais elevadas, algo que era muito sutil nas canoas pré-cabralinas.
As canoas monóxilas pré-cabralinas se enquadrariam no tipo XA da classificação de Arnold (1996), uma embarcação exclusivamente monóxila sem acréscimo de elementos construtivos. (...) Nas extremidades, pouca ou nenhuma diferença entre proa e popa, facilitando o varar terra e sair sem precisar virar a canoa, mudando apenas a posição dos remadores; essas extremidades apresentam perfil longitudinal em reta oblíqua pouco lançada e pouco elevada em relação aos bordos laterais (...). (Souza e Júnior, 2016, p. 64-65).
Canoa monóxila de Ponta Grossa dos Fidalgos durante a década de 1940 | |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
Fonte: Luiz de Castro Faria. '1930-'1940. Obtida por pesquisadores da UENF (Valpassos e Neto entre eles). |
A construção dessas canoas na década de 1940 utilizava madeira proveniente da Mata Atlântica:
Os pescadores de Ponta Grossa dos Fidalgos utilizavam, tradicionalmente, canoas. Essas embarcações eram feitas de peroba ou cerejeira e esculpidas em um único tronco. O material podia ser facilmente encontrado na Mata do Imbé, área florestal localizada a noroeste do município de Campos dos Goytacazes. As canoas mediam de seis a oito metros de comprimento (...). (Neto, 2012, p. 37).
No que diz respeito ao uso, a canoa monóxila de Ponta Grossa dos Fidalgos de 1940 era movida tanto pela força dos remos e varas quanto pelo vento. Embora não haja imagens dessa canoa com velas na década de 1940, por óbvio a introdução desse recurso exigiu adaptações estruturais na embarcação. Por outro lado, o uso da vara era perfeitamente compatível com as características da Lagoa Feia, uma lagoa de planície, de pouca profundidade.
As canoas (...) eram impulsionadas por velas, feitas de sacos de farinha de trigo, e com o remo, que funcionava, ora como propulsor, ora como leme. Quando não havia vento os pescadores utilizavam, além do remo, uma espécie de vara, ainda mais longa do que este, que, cravada no fundo da Lagoa servia, ainda, para ancorar a embarcação, impedindo-a de se movimentar livremente. (Neto, 2012, p. 37).
A canoa monóxila passou a cair em desuso em PGF já na década de 1970:
Dois motivos podem explicar tal fato. O primeiro foi a proibição da derrubada de peroba no Imbé, pois esta havia sido identificada como uma espécie arbórea em extinção, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA). O segundo motivo está relacionado com a disponibilidade. Desde o asfaltamento da estrada, que liga Ponta Grossa aos outros municípios da Baixada Campista, se tornou viável obter determinados bens e serviços, outrora pouco acessíveis. Assim, os pescadores puderam adquirir, entre outras coisas, madeira cortada em tábuas de tipos e origens variadas. (Neto, 2012, p. 38).
Atualmente, a bateira – nome dado pelos pescadores de PGF para sua embarcação, que também é citado em estudo sobre o substituto da canoa monóxila em Pernambuco – é amplamente utilizada. A bateira é feita com madeiras extraídas de outros biomas brasileiros, sendo adquirida na cidade de Campos dos Goytacazes. Seu formato é menos hidrodinâmico em comparação com a antiga canoa monóxila.
Estes são constituídos por diferentes partes, articuladas umas às outras por pregos de ferro ou de cobre bem como utilizando cantoneiras de metal. Cada parte é um plano constituído de várias tábuas, que deve ser medido e cortado separadamente para facilitar a combinação de dois ou três tipos diferentes de madeiras na mesma embarcação. Usualmente os construtores preferem a oiticica, pois tem boa durabilidade e um preço proporcionalmente vantajoso. (Neto, 2012, p. 38).
Essas embarcações, com média de 7 a 8 metros, são movidas principalmente por pequenos motores, embora seja possível encontrar algumas que utilizam velas.
Bateira de Ponta Grossa dos Fidalgos no século XXI | |
Fonte: Sala Verde IFF Campos. 2010 e 2011. |
- Béat Arnold. Typologie et influence des bases monoxyles dans la construction navale traditionnelle, à l’image des esquifs réalisés par encorbellement inverse. 2018.
- Carlos Abraão Moura Valpassos. Quando a lagoa vira pasto. 2006.
- Carlos Celestino Rios e Souza e Hamilton Marcelo Morais Lins Júnior. A evolução da canoas monóxila em Pernambuco, Brasil (séculos XVI ao XX). 2016.
- José Colaço Dias Neto. Quanto custa ser pescador artesanal? 2012.
Nenhum comentário:
Postar um comentário