O colunista da Folha de São Paulo, Samuel Pessôa, propõe soluções para Donald Trump atender a seu eleitorado que se revelam problemáticas desde sua análise da realidade (veja aqui). Seu ponto central sugere que a perda de competitividade dos trabalhadores com média escolaridade nos Estados Unidos — justamente aqueles que elegeram Trump — deve-se, em grande parte, à queda da qualidade da educação pública. Esse declínio, segundo ele, teria dificultado a capacidade desses trabalhadores, ou de seus filhos, de competir por empregos mais qualificados. No entanto, essa análise parece servir apenas para reforçar determinadas narrativas.
Primeiramente, a afirmação de que “o filho do trabalhador que perde o emprego na indústria não consegue competir com os filhos dos ricos, nem com os filhos dos imigrantes asiáticos” soa demagógica. A menção específica aos imigrantes asiáticos carrega um viés problemático: em vez de reconhecer que esses trabalhadores enfrentam desafios semelhantes e, muitas vezes, superam barreiras sociais por mérito e esforço, a frase sugere que eles são um fator de exclusão para os trabalhadores americanos.
Além disso, a tentativa de minimizar o impacto da ascensão da China ao afirmar que “contribuiu para o fenômeno, em menor dimensão, a emergência da China e sua capacidade industrial imensa” é enganosa. A China não foi um fator secundário; pelo contrário, foi um dos principais motores da reestruturação industrial global. A globalização permitiu que empresas deslocassem sua produção para países com custos trabalhistas mais baixos, e esse processo dificilmente será revertido, pois está enraizado na lógica econômica do capitalismo moderno.
A solução proposta pelo colunista também se mostra equivocada. Sugerir que a competitividade do trabalhador pode ser melhorada por meio do aprimoramento da escola pública básica ignora um problema: o alto custo do ensino superior nos Estados Unidos. Se o objetivo é qualificar melhor a força de trabalho, não basta responsabilizar a escola pública básica. A maior barreira para a ascensão profissional da classe média-baixa está no acesso ao ensino superior, que nos EUA é majoritariamente privado e extremamente caro. Uma política educacional séria deveria enfrentar essa realidade e propor medidas concretas para ampliar o acesso à universidade.
No fim, a análise e a solução apresentadas pelo colunista são falhas. Desviar o foco para a crise da educação pública básica é, no mínimo, um erro grosseiro — quando, na verdade, acreditamos ser uma tentativa ideológica de enfraquecer ainda mais um sistema que deveria ser fortalecido, e não atacado.
Fonte:- Folha de São Paulo. Samuel Pessôa. A heterodoxia trumpista não funcionará. 2025.
Nenhum comentário:
Postar um comentário