fevereiro 13, 2025

Os ataques de colunistas da Folha à esquerda
Os ataques de colunistas da Folha à esquerda

A Folha de São Paulo é o jornal brasileiro que mais valoriza a pluralidade de opiniões, tanto por autodeclaração quanto na prática. Isso se reflete na presença significativa de colunistas que não se alinham à direita mais radical ou reacionária, incluindo liberais genuínos, pessoas de centro-esquerda, progressistas e, em alguns casos, até mesmo representantes da esquerda.

No entanto, na seção de colunistas que analisam questões econômicas ou políticas do governo, há uma predominância de articulistas alinhados à direita. Esses colunistas costumam atacar os gastos destinados aos mais vulneráveis.

Entre eles, é comum haver um silêncio (ou pouquíssimo incômodo) quanto à necessidade de corte de supersalários do Judiciário. Em vez disso, propõem a desindexação do reajuste do salário mínimo para os aposentados.

Professores também são um alvo frequente, especialmente no que se refere ao "alto valor" do piso salarial do magistério. Já a taxação dos mais ricos é um tema que combatem ativamente. Com frequência, recorrem ao argumento de que se paga muitos impostos no Brasil.

Nesta postagem, vamos expor alguns expedientes utilizados por quatro comentaristas da Folha de São Paulo na crítica à esquerda e às suas ideias. Entre essas estratégias, destacam-se:

  • A alegação de que a esquerda brasileira possui características totalitárias;
  • Acusações infundadas de corrupção;
  • A defesa da desigualdade social;
  • A falsa equivalência entre bolsonarismo e petismo;
  • A defesa escancarada de Bolsonaro;
  • O uso de intuições como justificativa para apoiar Bolsonaro;
  • O emprego de uma frase que remete à estratégia nazista para explicar um "autoengano" do PT.

Alexandre Schwartsman defendeu o voto nulo ou branco entre Lula e Bolsonaro, alegando que ambos representavam um risco à democracia. Ele costuma afirmar que a esquerda brasileira, especialmente o PT, possui características de governos totalitários. Como exemplo, argumenta que a autocrítica do partido sobre não ter modificado os currículos das academias militares representaria uma ameaça. Schwartsman já havia levantado essa tese em 2018, durante as eleições entre Fernando Haddad e Bolsonaro, e a repetiu em 2022.

Sua autocrítica não vai além do lamento de não terem conseguido controlar instituições como o Ministério Público, a Polícia Federal e as Forças Armadas, além, é claro, de “democratizar a mídia”. (Folha de São Paulo, 2018).

Em sua "autocrítica" oficial, o PT lamentou, apenas: (a) "priorizar ‘o pacto pluriclassista’ que permitiu a vitória de Lula em 2002"; (b) "não ‘impedir a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público’"; (c) não "modificar os currículos das academias militares e de promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista"; e (d) não "redimensionar sensivelmente a distribuição de verbas publicitárias para os monopólios da informação (sic)". Dito de outra forma, se algum arrependimento houve foi o de não avançar no aparelhamento das instituições de Estado a favor dos interesses do partido, um primor de compromisso democrático. (Folha de São Paulo, 2022).

Marcos José Mendes recorre a três práticas questionáveis. Entre elas, estão acusações levianas de corrupção em governos de esquerda, como na frase "o granaduto está voltando com novos instrumentos". Ele também defende a manutenção da desigualdade social, ao sugerir o fim dos reajustes anuais "altos" para os docentes. Além disso, recorre a uma falsa equivalência entre bolsonarismo e petismo. Para isso, argumenta que, enquanto Bolsonaro defendeu chamar o Golpe de 1964 de revolução — algo amplamente contestado pela historiografia —, Lula chama o impeachment de Dilma de golpe, um tema ainda em aberto no senso comum e, portanto, passível de uso político.

Apesar da experiência negativa, o granaduto está voltando com novos instrumentos. (Folha de São Paulo, 2024).

Se a intenção, em 2008, era recuperar os salários básicos dos docentes em relação à remuneração dos demais profissionais, isso já foi atingido. Chegou a hora de repensar a regra. (Folha de São Paulo, 2023).

Bolsonaro quis reescrever a história, chamando o golpe de 1964 de revolução e negando legitimidade ao pleito de 2022. Lula quer reescrever a história, chamando o impeachment de golpe e negando a existência da corrupção que assolou os governos do PT. (Folha de São Paulo, 2023).

Marcus André Melo também recorre a três expedientes duvidosos. Na defesa incondicional de Bolsonaro, destaca dois argumentos: (1) o ex-presidente teria enfrentado um Judiciário exagerado, sofrendo punições desproporcionais; (2) por uma suposta lógica, não poderia ser considerado um virtual ditador. Além disso, Melo usa a intuição como argumento, afirmando que o PT é favorecido pelo Bolsa Família, enquanto Bolsonaro não obteve o mesmo efeito com o Auxílio Brasil. Na tentativa de estabelecer uma falsa equivalência entre bolsonarismo e petismo, ele chega a comparar a tentativa de Bolsonaro de reduzir o tempo de inelegibilidade previsto na Lei da Ficha Limpa com as críticas feitas pelo PT ao STF, à Polícia Federal e ao Ministério Público — equiparando, assim, meras discordâncias a uma manobra para alterar a lei por casuísmo.

Ao contrário de Trump, Bolsonaro não teve papel público ativo, o que poderia ser explicado por eventual cálculo estratégico ainda por esclarecer, mas sobretudo por ser ele um "weak strongman": que conta com apoio minoritário na opinião pública, no Congresso, nas Forças Armadas, e enfrentando Judiciário independente e hiperbólico na resposta. (Folha de São Paulo, 2023).

A decisão do TSE é hiperbólica não porque Bolsonaro não tenha cometido crimes (ex. de responsabilidade), mas porque, tratando-se do caso específico (evento com embaixadores), é desproporcional (como também o foi a de Dellagnol). (Folha de São Paulo, 2023).

Se Bolsonaro é mais um personagem carcomido da velha política, as roupas do ditador-em-chefe já não lhe cabem. E a narrativa de ameaça totalitária se enfraquece. (Folha de São Paulo, 2022).

Alguns analistas sugerem que o auxílio Brasil não estaria afetando o voto como esperado, seu efeito anulado porque o eleitorado interpreta-o como eleitoralmente oportunista. (...) Penso que as transferências de renda (...) na campanha se tornaram paulatinamente um tema consensual (...); o eleitorado pobre está presumindo que haverá continuidade nas transferências/manutenção do valor independente do candidato. (...) Arriscaria que é a primeira vez que isso acontece. (Folha de São Paulo, 2022).

Quando se alternam no poder, surge um conflito que leva à mudança institucional: arranjos e legislação anteriores passam a ser atacados. A dinâmica é fundamentalmente incumbente-oposição, mas se traveste de disputa ideológica direita-esquerda.

É o que estamos assistindo no momento em relação aos ataques de Bolsonaro e outros em relação à Lei de Ficha Limpa.

(...) Mas o mesmo vale para outros atores e instituições. O STF, a Polícia Federal, e o Ministério Público, que eram vilipendiados pelo PT, quando era incumbente, passaram a ser defendidos pelo partido.

(...) E vice versa, em relação ao bolsonarismo. (Folha de São Paulo, 2025).

E, por último, há também Samuel de Abreu Pessôa, que defende a desigualdade ao resumir que a contestação das evidências de Piketty (contra a desigualdade) se baseia no fato de que a revista em que foi publicada a contestação tem "prestígio". Por outro lado, na defesa desavergonhada de Bolsonaro, o autor sustenta que a herança de Paulo Guedes na economia é positiva, mesmo quando sabemos que o governo Bolsonaro deixou R$ 255 bilhões em despesas não pagas para 2023. E, ao final, o autor utiliza uma frase que remete a uma estratégia nazista para dizer que o PT repetiu tanto uma mentira a ponto de ela se tornar um autoengano.

Na coluna da semana passada, apresentei trabalho recente aceito para publicação em uma das cinco melhores revistas do mundo em economia, que contesta as evidências de Piketty, Saez e Zucman de que houve nos últimos 60 anos forte concentração de renda nos 1% mais ricos nos EUA. Piketty, Saez e Zucman postaram uma resposta. Ótimo debate. (Folha de São Paulo, 2023).

Guedes deixará herança maldita na área fiscal? Não. Na área fiscal, a herança de Guedes é positiva. (Folha de São Paulo, 2022).

No entanto, na campanha eleitoral, por mais de uma vez, Lula foi explícito em culpar Aécio "pela crise da Dilma". Diz-se que se deve repetir uma mentira até que ela vire uma verdade. A frase é atribuída ao chefe da propaganda da Alemanha nazista. Aqui ocorre algo diverso. Repete-se uma mentira até que ela vire um autoengano. (Folha de São Paulo, 2023).

Conforme procuramos demonstrar, os argumentos desses colunistas revelam certos expedientes questionáveis e/ou duvidosos para desqualificar a esquerda brasileira, o que nos leva a concluir que, apesar de a Folha de São Paulo possuir uma certa pluralidade, os eminentes colunistas de direita carecem um pouco de qualidade.

Fontes:
- Folha de São Paulo. Alexandre Schwartsman. Em louvor do voto inútil. 2022.
- Folha de São Paulo. Alexandre Schwartsman. Por que votarei nulo. 2018.
- Folha de São Paulo. Marcos Mendes. A volta do Granaduto. 2024.
- Folha de São Paulo. Marcos Mendes. O piso salarial do magistério. 2023.
- Folha de São Paulo. Marcos Mendes. Populistas enfraquecem instituições importantes para o crescimento. 2023.
- Folha de São Paulo. Marcus André Melo. A maior ameaça de Bolsonaro já se materializou. 2022.
- Folha de São Paulo. Marcus André Melo. Bolsonaro e a Lei da Ficha Limpa. 2025.
- Folha de São Paulo. Marcus André Melo. O Capitólio brasileiro e seus intérpretes nos EUA. 2023.
- Folha de São Paulo. Marcus André Melo. O que explica o novo padrão de atuação do Judiciário? 2023.
- Folha de São Paulo. Marcus André Melo. O viés anti-incumbente e Bolsonaro. 2022.
- Folha de São Paulo. Samuel Pessôa. Guedes deixa herança maldita? 2022.
- Folha de São Paulo. Samuel Pessôa. Milei pode acertar. 2023.
- Folha de São Paulo. Samuel Pessôa. O autoengano petista. 2023.

Últimas modificações03/03/2025

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