O jornal Folha de São Paulo, ao reportar os recentes embates entre o governo federal e o Congresso Nacional, parece ter abdicado de seu dever de contextualização. Em duas reportagens recentes — uma sobre a derrota do governo no caso do IOF e outra sobre os riscos da medida provisória que visa tributar apostas online ("bets", fintechs e investimentos isentos) — o jornal reproduz, sem a devida contextualização, a tese de que a "retórica de ricos versus pobres" adotada pelo Planalto estaria prejudicando o avanço de pautas econômicas relevantes.
O primeiro erro está na cobertura sobre a derrota do governo no caso do IOF. Ao sugerir que a retórica do Executivo teria incomodado o Legislativo, o jornal oculta o pano de fundo mais determinante do embate: o mesmo Congresso que tenta impor a diminuição dos gastos públicos ao Executivo, se recusa a diminuir as verbas a que se arrogou o direito de fazer gestão.
A retórica que busca colar no Legislativo o rótulo de defensor de privilégios de ricos foi um dos motivos da rebelião em que o governo foi derrotado no caso do IOF.Na ocasião, já havia insatisfação na cúpula de Câmara e Senado com campanhas em perfis de esquerda que apontavam o Congresso como "inimigo do povo", em especial pela derrubada de vetos de Lula que devem beneficiar empresários do setor elétrico e aumentar a conta de luz. (Folha de São Paulo, 2025).
Contudo, é digno de nota o fato de a reportagem mencionar os vetos do Executivo para impedir que fossem concedidos benefícios a empresários do setor elétrico.
A segunda reportagem falha ao não questionar a versão de que os ataques do governo à desigualdade tributária seriam a razão do enfraquecimento da medida provisória que aumenta a carga tributária sobre apostas online, fintechs e investimentos hoje isentos. A verdade mais incômoda é que o Congresso sofre forte pressão de setores altamente capitalizados, que atuam com lobbies poderosos para manter seus privilégios fiscais.
Outro assunto que os ataques podem enterrar de vez, segundo esses deputados, é a medida provisória que aumenta impostos sobre bets, fintechs e investimentos hoje isentos. Parte dos aliados de Motta afirma, porém, que essa proposta já enfrenta muita resistência no Congresso e que os ataques mudam pouco o clima de rejeição. (Folha de São Paulo, 2025).
Apesar de reconhecer que essa narrativa é relativa, nota-se que o elemento crítico revelador dos lobbies, presente na primeira reportagem, está ausente nesta.
Em ambos os casos, o jornal falhou ao não fornecer aos leitores o contexto político-econômico que fundamenta as disputas entre os poderes. A função do jornalismo não é apenas relatar os fatos, mas também situá-los no jogo de forças em que ocorrem.
Fontes:- Ranier Bragon, Catia Seabra e Caio Spechoto. Folha de São Paulo. Lulistas inundam redes sociais com mote 'ricos versus pobres', e Congresso é um dos alvos. 2025.
- Raphael Di Cunto e Victoria Azevedo. Folha de São Paulo. Cúpula da Câmara critica discurso de Lula de ricos contra pobres e cita riscos a outras propostas. 2025.
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