setembro 21, 2024

Pesca marítima na Ecorregião de São Tomé
Pesca marítima na Ecorregião de São Tomé

Segundo o historiador Arthur Soffiati, entre o sul do Espírito Santo e o norte do Rio de Janeiro, há uma região chamada São Tomé. Trata-se, na verdade, de uma ecorregião ou região natural, pois apresenta singularidades que unem o relevo, o clima e a vegetação, sem deixar de levar em consideração também a história humana.

A região costeira entre os rios Macaé (RJ) e Itapemirim (ES) constitui uma Região Natural pelos critérios estabelecidos por Bertrand, pois apresenta singularidades morfoclimáticas internas: formada por um grande acrescido Quaternário de terrenos que afastam a zona serrana do mar e áreas mais antigas constituídas pela Formação Barreiras, com cerca de 60 milhões de anos, que se supõe ter origem continental e oceânica; clima influenciado por massas de ar que sopram do oceano Atlântico na direção da Serra do Mar; domínio do bioma de Mata Atlântica e suas variações biogeográficas definidas pelas condições físicas intrarregionais; e um desenvolvimento econômico baseado em atividades que levaram ao desmatamento acelerado dos ambientes das baixadas e dos tabuleiros, permanecendo preservada a zona Cristalina, por seu relevo acidentado e de difícil acesso até tempos mais recentes. (Alves, Miro e Soffiati, 2019, p. 14).

Dentre as características dessa ecorregião, destaca-se que ela é composta por unidades geomorfológicas de baixadas (Campista, do rio Itabapoana, do rio Itapemirim, do rio Macabu e do rio Macaé), feixes de cordões arenosos (de Jurubatiba ou Carapebus, de Marobá e do rio Paraíba do Sul) e dos tabuleiros (de Quissamã, de São Francisco de Itabapoana e do sul capixaba).

Contudo, um dado que realmente chama a atenção na ecorregião é a importância da pesca como atividade geradora de renda. Sendo marcada pela presença de diversos rios, canais, brejos e lagoas, além de ser uma região costeira, a pesca na ecorregião é realizada tanto no continente quanto na costa (no Litoral Leste do país). No caso da pesca costeira, a presença dos rios Itapemirim, Itabapoana, Guaxindiba, Paraíba do Sul e Macaé, além do Canal das Flexas, oferece abrigos para os barcos pesqueiros. Isso ajuda a explicar a dispersão dos portos de pesca na ecorregião.

No entanto, no Farol de São Tomé, onde atualmente não há rios que desaguam no oceano, os barcos de pesca são içados por tratores diretamente da praia para o oceano. Essa pesca é caracterizada pelo uso de redes de arrasto para a captura de camarões. O design das embarcações de arrasto do Farol de São Tomé, que são construídos no próprio local, está registrado no Catálogo dos Aparelhos e Embarcações de Pesca Marinha do Brasil (página 316). Apesar de a pesca do camarão ser a atividade econômica praticada pelos pescadores do Farol de São Tomé, a cadeia produtiva instalada na localidade possui a particularidade de atender não somente à pesca do camarão.

De qualque forma, segundo Ana Paula Madeira Di Beneditto, a pesca em parte da Ecorregião de São Tomé pode ser assim caracterizada:

Dentre as 23 espécies de pescado de maior importância comercial na costa Norte do Estado do Rio de Janeiro, destacam-se: Balistes sp. (peruá); Micropogonias furnieri (corvina-branca); Carcharhinus acronotus, C. plumbeus e Rhizoprionodon porosus (cações) e Xyphopenaeus kroyeri (camarão-sete-barbas) (...). (Di Beneditto, 2001, p. 106).

Abaixo, procuramos localizar no mapa os 11 portos pesqueiros da ecorregião (clique sobre o botão para ler detalhes).

Levando em consideração um texto seminal de Antonio Carlos Diegues, que procurou sistematizar as formas de organização da produção pesqueira no Brasil, acreditamos que a pesca na ecorregião de São Tomé seja praticada principalmente nos moldes da Pequena Produção Mercantil Pesqueira (ampliada). Embora estudos precisem ser feitos para corroborar ou refutar nossa impressão, abaixo segue um texto extraído do livro A pesca construindo sociedades, do autor citado, que descreve essa forma de organização da produção pesqueira.

Apesar da manutenção de algumas características básicas, próprias da pequena produção mercantil familiar simples, surgem alguns elementos que permitem falar-se em pequena produção mercantil ampliada.

Em primeiro lugar, o grupo doméstico, ainda que importante na atividade pesqueira, não mais constitui a base das unidades de produção e cooperação. A medida que a pesca deixa de ser uma atividade complementar para tornar-se a principal fonte de produção de bens destinados a venda, à medida que surge um excedente, utilizado na compra de embarcações motorizadas, que exigem uma outra "tripulação", a mão-de-obra mais apropriada nem sempre é a familiar. De acordo com as novas bases de partilha da produção introduzidas, nem sempre é interessante utilizar um parente como "camarada".

Em segundo lugar, a atividade pesqueira passa a ser a principal fonte de renda, propiciando, em determinadas situações, uma maior produção de excedente, em cuja distribuição entre os pescadores passam a ser introduzidos padrões menos igualitários. O "dono da embarcação motorizada", por exemplo, passa a exigir um "quinhão maior", alegando custos maiores na manutenção da embarcação, pagamento de financiamentos feitos etc. Rompe-se, então, um certo igualitarismo existente na subforma de produção anteriormente descrita. Com isto, torna-se mais nítida a diferença entre os proprietários dos meios de produção e os "camaradas". As grandes "companhas" ou grupos de pesca vão reduzindo o seu contingente de mão-de-obra para dar lugar à "tripulações" menores, mais especializadas.

Em terceiro lugar, esse novo tipo de pesca, explorando ambientes marinhos e costeiros mais amplos, exige conhecimentos mais específicos que os anteriormente usados pelo "pescador-lavrador".

Em quarto lugar, a propriedade dos meios e instrumentos de trabalho na pesca passa a ser um elemento fundamental em toda a organização produtiva, ao passo que a "propriedade familiar" deixa de ser tão importante.

Em quinto lugar, há um avanço tecnológico importante como a introdução da embarcação motorizada, das redes de náilon, de novos processos de conservação e transporte do pescado etc. Em sexto lugar, organiza-se todo um processo de comercialização do pescado em que progressivamente os "atravessadores" individuais vão perdendo gradativamente o terreno para as "firmas" de compra e financiamento da produção.

Em suma, é somente nesse estágio que surge o "pescador" como tal, que passa a viver exclusiva ou quase exclusivamente da sua "profissão". A expulsão das terras onde viviam e a consequente urbanização o afastam cada vez mais das atividades agrícolas de subsistência. Na verdade, ele não tem mais a alternativa de cultivar seu pequeno pedaço de terra de onde, com a ajuda do trabalho "familiar", pode retirar sua subsistência quando o mar não lhe permite ir ao trabalho. Passa a depender mais intensamente de agentes ou mesmo firmas compradoras do pescado, que lhe passam a financiar até o "rancho" ou a comida da família em períodos difíceis. Desta maneira, o pescador "artesanal" passa a se reproduzir e reproduzir suas condições de existência na pesca, voltada fundamentalmente para o comércio. O mercado é o objetivo de sua atividade, ainda que o "balaio" ou cesto de peixe para o autoconsumo separado antes da partilha constitua uma das bases de sua sobrevivência e de sua família.

No entanto, o excedente reduzido e irregular, a baixa capacidade de acumulação, a dependência total vis-a-vis do intermediário, a propriedade dos meios de produção, o domínio de um saber pescar baseado na experiência (e que constitui sua profissão) são elementos que caracterizam ainda "a pequena pesca mercantil". (Diegues, 2004, p. 135-137).

Fontes:
- Ana Paula Madeira Di Beneditto. A pesca artesanal na costa norte do Rio de Janeiro. 2001.
- Antonio Carlos Diegues. A pesca construindo Sociedades. 2004.
- Leidiana Alonso Alves, José Maria Ribeiro Miro e Arthur Soffiati. Mudanças na paisagem das lagoas costeiras da ecorregião de São Tomé: do século XIX ao século XXI. 2019.
- Vanildo Souza de Oliveira. Catálogo dos Aparelhos e Embarcações de Pesca Marinha do Brasil. 2020.
- Vinícius Corrêa Coelho, Gleison das Chagas Abreu e Ricardo Pacheco Terra. O setor de distribuição e comercialização da cadeia produtiva da pesca artesanal do Farol de São Tomé. 2011.

Últimas modificações03/03/2025

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